CRÔNICA DE LUIZ
CARLOS CASEMIRO
Em
1959 terminei o ginasial e decidiria em poucos dias a escolha do curso de
segundo grau para prosseguir em meus estudos. O Instituto de Educação Cardoso de Almeida, de
Botucatu, no interior do Estado de São Paulo, oferecia três opções: Científico,
Clássico e Normal. Escolhi este último
pela vocação de professor, com a vantagem de ser o mais rápido para iniciar
carreira profissional. Os outros dois estavam voltados à preparação para a Universidade.
A cidade não dispunha de nenhuma faculdade.
Para fazer o Curso Normal, em razão do excesso
de candidatos para as quarenta vagas, era necessário enfrentar no início de
fevereiro exame vestibular com provas escritas de Português, Matemática,
História e Geografia. Havia muitos interessados, mesmo porque, estudantes de outras
cidades concorriam às vagas.
Receoso com as dificuldades que
teria com as provas, principalmente na matéria da Língua Pátria, frequentei as
aulas de Português ministradas pelo Monsenhor Melhado; bom e altruísta, nada cobrava
pelo cursinho. Expunha seus conhecimentos em
sala do SENAC, ao lado da Escola de Datilografia, próximas de tal modo
que o “martelar” dos aprendizes nos teclados das máquinas de escrever soava no
recinto, confundindo a leitura de textos. Os tlec-tlec-tlec-tlecs, multiplicados,
posso senti-los até hoje, e tenho saudades. Em contrapartida desse
inconveniente tínhamos ampla visão do jardim, um primor, pois o imóvel estava
localizado entre a sede do Jornal Monitor Diocesano – Botucatu já tinha bispo
há muitos anos - e a Santa Casa de
Misericórdia, numa praça muito arborizada. Algum tempo depois o mestre
religioso tornou-se bispo de Sorocaba. Ele era amigo, ... amigo de visitar os
meus avós por ter o seu pai, espanhol, nascido na mesma região da família de
minha avó. Ela coincidentemente tinha tio cura (padre) em Salamanca.
Feito os exames com provas dessas matérias,
sobrevinha-me a expectativa e a apreensão, pois se reprovado não teria a chance
de inscrever-me nos outros dois cursos.
Na semana seguinte saiu a lista dos aprovados com
a divulgação das notas obtidas pelos candidatos. Estava afixada no quadro
instalado no Saguão Monumental da Escola Normal.
Subi as escadarias. Atravessei o portal. Ansioso,
nervoso, instalei-me atrás de outras pessoas que conferiam os resultados e, com
muito esforço, afobado fui tentando encontrar o meu nome.
Pairava dúvida em meu
pensamento: Teria ...(eu)... sido aprovado?
Letrinhas e números dançavam nos meus
olhos quando conseguia espionar poucas partes da lista entre os vãos das
cabeças das pessoas que se encontravam à minha frente.
Humilde! Procurei meu nome ali
pelo meio do documento. Não o encontrei. Com muita dificuldade ao lado daquelas
pessoas que eu nem conhecia, pude por um instante enxergar a parte inferior da
lista. Nada! Nem nos dez nomes de excedentes que poderiam ser convocados caso
houvesse desistências.
De repente, no momento em que o bolo de
pessoas se dissipou, abrindo espaço para que eu acessasse a listagem, meu
coração deu um pulo e disparou: Vi o meu nome ... Fôra aprovado em segundo
lugar.
Puxa vida! Que surpresa!
Que emoção! Ainda mais por que interessados
em conferir a lista que chegavam ao local podiam ouvir-me da minha conquista.
Ali, uma pessoa disse algo que me deixou ainda mais feliz: - “Olhe? Quem passou
em primeiro lugar é uma menina que terminou o Científico e decidiu também fazer
agora o Curso Normal.” Essa informação deixou-me mais satisfeito. Essa candidata acabou desistindo do curso
antes de seu início.
Como explicar essa distinção?
Retrocedendo ao meu passado
escolar.
Eu não fora um estudante brilhante
até o término da terceira série do ginásio. Chegava aos exames finais, com
provas escritas e orais, sempre precisando um “caminhão” de pontos para fechar
o ano. A partir da quarta série algo aconteceu comigo, tal qual a brusca
mudança que o Padre Vieira (*) conta que lhe ocorrera (tornou-se muito
inteligente após um forte estalo na cabeça, quando a bateu em uma pedra). No
meu caso, sem a cabeçada. Mais amadurecido, seguindo os conselhos de minha mãe
(crie juízo, meu filho! Estude.), passei
a compreender os assuntos tratados em aulas.
Por exemplo: Em Matemática
passei anos sem entender o porquê do resultado do Máximo Divisor Comum sempre é
um numero baixo (não era o Máximo?) e o Mínimo Múltiplo Comum dá como resultado
um número de valor elevado (não era o Mínimo?). Pudera! Aprendi com o professor Cid Augusto
Guelli, matemático de talento reconhecido mundialmente. Lembro-me dele com o
seu grosso bigode amarelado de nicotina e os dois bolsos do avental repletos de
gizes coloridos. Afastou do magistério público e fundou, com outros renomados
professores, o tão lembrado primeiro
Curso Pré-Vestibulares de São Paulo, o Anglo Latino, na Rua Tamandaré, no
Bairro da Liberdade.
Nessa quarta série, além do Cid Guelli, outros professores contribuíram
para essa minha transformação. Cito, como exemplos: José Pedretti Netto, de
História; João de Queiroz Marques, de Ciências; Flávio Lobo, de Desenho; Dinéia
Ducatti, de Geografia; dona Jair Conti, de História da Civilização; Durvalina
da Silva Menocchi, de Biologia; José Sartori, de Trabalhos Manuais; entre
outros.
Flutuando de felicidade, nem acreditando no
sucesso, retornei ao lar.
Dei a notícia à minha
mãe. De seus olhos, emocionada, desceram
lágrimas.
Ela de imediato dirigiu-se à vizinha, dona
Matilde Badelucci, relatando agradecida a minha façanha, pois foi essa mulher
inteligente a responsável por incentivar a “essa gente simples daqui do lado, a
essa viúva moça” para que seus dois meninos estudassem. Ela sempre comentava
que o futuro na Sorocabana, quase sempre o destino da gente do Bairro da
Estação, onde vivíamos, poderia ser muito bom (o marido dela, Sr. Antonio
Badelucci e meu pai, Mires Casemiro, foram funcionários da Estrada-de-Ferro), mas com o estudo o porvir seria ainda melhor.
Ela tinha razão.
Luiz Carlos Casemiro – o Casê
São Paulo (SP), 15 de setembro de 2012.
Por ocasião do Jubileu de Ouro dos Professores Formados na
Escola Normal de Botucatu, em 1962
Instituto de
Educação Dr. Cardoso de Almeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário