sábado, 27 de dezembro de 2014

EDUCAR... UM ATO DE AMOR. (SÍNTESE DO MEU LIVRO)

Sabemos que estamos na ERA DA INFORMÁTICA, na qual o computador é capaz de revolucionar nossa capacidade de pensar, mas sabemos também que a maior parte das escolas brasileiras não possui o mínimo necessário para que o ensino se desenvolva de maneira correta.
Procuremos nos esforçar em conjunto: governo, sociedade, família, professores, alunos...para que possamos, de uma forma harmônica, melhorar o ensino neste país. Grandes filósofos apareceram na idade média. Por que não podemos, com um simples quadro de giz e o esforço de todos, melhorar a qualidade de ensino nas nossas escolas?
Não podemos permitir que as drogas absorvam a vida dos nossos jovens...Temos que lutar, desesperadamente, para salvá-los das mãos desses criminosos.
A atenção, o carinho, o amor... são peças fundamentais no relacionamento com nossos filhos e com os nossos alunos. Saber ouvir é muito diferente do que escutar. Devemos mostrar a todos essas diferenças e obter, com esse novo conhecimento, um relacionamento amigável com as pessoas que nos rodeiam.
De que vale a vida repleta de bens materiais quando não temos o mais importante que é a FELICIDADE?
Uma complementação no nosso conteúdo programático poderá tornar mais atrativos os assuntos apresentados nas escolas. Assim, o aluno poderá aprender coisas que toquem mais a sua vida diária, facilitando muito o  relacionamento  com os seus pares e levando esses novos conhecimentos a outras pessoas. Por exemplo:Etiqueta Social, civismo, drogas, sexo, política,postura profissional e outros que, com certeza, trarão à baila a questão da cidadania que está muito esquecida e muito longe nos nossos dias atuais.
Quais são os nossos direitos e deveres? Respeitamos e somos respeitados? Como estão as cadeias? Quantos jovens já perderam a vida? Para nós, o importante não é encontrar o culpado e, sim encontrar a solução para o problema.
Nossos jovens não podem continuar na "linha de produção" e quando apresentarem qualquer defeito, serem retirados e transformados em " sucatas humanas"...
Considerando os alunos a " alma" da escola, precisamos fazer o possível e o impossível para tratá-los de maneira que se tornem competentes para que possam traçar os seus próprios caminhos.
O ser humano é o único dos animais que se realiza através do trabalho, portanto, é muito importante prepará-lo bem a fim de que se orgulhe da obra que irá realizar.
O trabalho da Equipe Escolar é tao importante que a sua união é o ponto chave para o seu sucesso.
Como consideramos a profissão do professor como uma missão, é necessário que, ao lado de seu formação profissional, ele se preocupe com a sua vocação.
Planejar é preciso.O planejamento deve refletir a importãncia do papel social da escola que deve tornar o aluno capaz de exercer, plenamente, a sua cidadania.
Devemos tornar o ambiente escolar num local agradável os os alunos se sintam bem e desejem permanecer. Não devemos nos esquecer de que a Escola não é apenas uma sala de aula e de que quem é respeitado, respeita.
O envolvimento dos pais e da comunidade na escola representa grande parte do sucesso do trabalho do professor.
Não devemos nos conformar com as situações adversas. Devemos, como as flores do campo que envolveram o canhão e o calaram para sempre, encontrar as soluções para os problemas que nos afligem. A Escola deve ensinar o que o aluno necessita aprender para a vida. Um homem ou uma mulher bem preparado (a) para a vida se tornará um profissional bem formado. EDUCANDO PARA A VIDA: ESSE É O CAMINHO.
A maior importância de uma vida é utilizá-la para fazer algo que dure mais que a própria vida.
Ensinar o aluno como estudar corretamente facilitará, sobremaneira, o alcance dos objetivos estabelecidos no plano de ensino.
O melhor e o mais correto uso dos recursos audiovisuais, tornarão as aulas mais atrativas e facilitarão a participação dos alunos.
Todo profissional deve estar sempre atento quanto ao seu desempenho ante o trabalho que lhe é proposto. Nossa proposta para a avaliação de desempenho é que não haja subjetividade e que as pessoas, conhecendo os ítens em que serão avaliados, possam apresentar melhor o seu trabalho.
Como sair da situação em que nos encontramos? Só exite um caminho: A EDUCAÇÃO, na forma mais ampla  que possamos conceber, buscando, em um ser Superior, o verdadeiro sentido de nossa existência aqui na Terra. O desenvolvimento científico de nossa sociedade não pode engolir o verdadeiro sentido da vida.
A Escola deste novo século deverá ser a Escola da solidariedade e da formação humana. Aquela onde alunos e professores caminharão, de mão dadas, rumo ao conhecimento. Aprendendo a aprender, uns com os outros, poderemos construir um mundo melhor. Ela deverá, antes de mais nada, conduzir o aluno a perceber-se no outro e, assim conviver num ambiente de respeito e solidariedade. O papel da Escola será muito mais dificil pois não priorizará, estática e mecânicamente, a reprodução de conteúdos enciclopedistas, verdades absolutas inquestionáveis, mas sim conduzir o aluno a perceber-se um verdadeiro autor, um verdadeiro cientista: aquele que duvida, que procura, que questiona. que investiga, que pesquisa, que compara, que reflete, que age, que se reconhece como ser pensante e atuante.
ESSA NOVA ESCOLA DEVERÁ SER A ESCOLA DO RESGATE DO VALOR HUMANO, DA SOLIDARIEDADE E DA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MELHOR ONDE O CONHECIMENTO SERÁ O PARCEIRO DO HOMEM.


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

A Sorocabana em Botucatu




                                        

                                                         Narrativa  

                     Crônica com Geografia, História, Reminiscências e Saudades    ---------- ______
 
-----------------------------------              Luiz Carlos Casemiro            --------------------------------------

              A Estrada de Ferro Sorocabana iniciou o assentamento dos trilhos no final do século dezenove há cento e vinte e sete anos. Sua linha tronco possui mais de sessenta estações. Saindo de São Paulo serve a região oeste da Metrópole com trens suburbanos. A partir do interior estas são as cidades mais conhecidas: São Roque, Mairinque, Sorocaba, Iperó, Boituva, Cerquilho, Laranjal Paulista, Conchas, Botucatu, Itatinga, Avaré, Cerqueira César, Ourinhos, Palmital, Cândido Mota, Assis, Paraguaçu Paulista, Rancharia, Martinópolis, Regente Feijó, Presidente Prudente, Santo Anastácio, Presidente Venceslau. Termina no porto do Rio Paraná em Presidente Epitácio. Algumas dessas cidades eram simples vilarejos quando a ferrovia chegou, outras nasceram com sua presença.     
      
          A ferrovia se pudesse ser vista de perfil com um olhar gigantesco abrangendo o Estado de São Paulo no trecho do Planalto Paulistano perceberíamos traçado de linha abaulada iniciando numa altitude de oitocentos metros na Capital até a região de São Roque que aos poucos cairia para quatrocentos e cinqüenta metros no sopé da Serra de Botucatu, relevo com formato de cuesta (paredão de elevação abrupta numa face e declive suave no outro lado). Botucatu situa-se no topo dessa cuesta em altitudes de até novecentos metros. A cidade tem a segunda estação mais elevada da ferrovia, no Bairro de Rubião Júnior, com 880 metros. Apenas a estação de Mailaski, no município de São Roque, com 898 metros de altitude sobrepuja Rubião.

           Nos trinta anos decorridos entre 1870 e 1900 houve a grande expansão das ferrovias brasileiras. Empresas interessadas recebiam do Governo área limitada onde elas poderiam construir ferrovias e explorá-las comercialmente. Os engenheiros ingleses eram disputados e contratados pelos empreendedores, pois detinham experiência. A Inglaterra foi pioneira na implantação desse meio de transporte, bem como na industrialização de equipamentos e na normatização de tráfego ferroviário. O Brasil importava locomotivas, vagões, apetrechos, trilhos e tecnologia. Os americanos tornaram-se importantes construtores de locomotivas. Nessa época todas eram movidas com a pressão do vapor. A maria-fumaça necessitava de água na caldeira, lenha na fornalha, fogo... Água fervendo, vapor comprimido expandindo- se sob forte pressão em dois cilindros localizados nas laterais da máquina para movimentar as bielas que faziam girar as rodas mestras. Aí estava o trem... Tão importante para a humanidade. A invenção da máquina a vapor na Inglaterra por James Watt possibilitou a Revolução Industrial, o ciclo da urbanização, o crescimento de cidades. A locomotiva foi o mais importante dos muitos inventos decorrentes do uso das máquinas a vapor. Também merece destaque o progresso nas embarcações que puderam aposentar as velas de tecido. Esses dois meios de transporte modificaram e melhoraram as condições de vida das populações, cujas transformações tão importantes podem, salvo melhor juízo, serem comparadas ao que nos fazem atualmente o computador, a Internet e o minúsculo chipe capaz de guardar milhões de dados.

            Parte do território paulista entre os rios Tietê e Paranapanema poderia ser explorado por ferrovia. A concessão foi obtida e assim iniciou-se a partir de 1872 a construção de uma estrada de ferro ligando a então pequena cidade de São Paulo a Sorocaba. Os trilhos assentados em pouco mais de cem quilômetros chegaram nesta cidade em 1875 e a ferrovia recebeu o nome de Sorocabana.

             Com a finalidade de obter lucros com o transporte de mercadorias do rico interior do Estado de São Paulo avançou-se a construção. Em 1876 chegou em Iperó, quatro anos depois em Boituva. Em 1883 estava em Cerquilho; em Conchas em 1887. Dessa cidade em somente um ano depois, com a facilidade de terrenos mais planos, em 1888 os trilhos alcançaram as vilas de Juquiratiba e Pirambóia. Logo ali à frente delas estava o paredão da Cuesta de Botucatu.  Surgiu um problema de difícil solução: como alçar o trem pelo método de rampa ascendente numa distância de tão poucos quilômetros partindo da cota de 450 metros de altitude para atingir o topo, em Botucatu, acima de 750 metros.  Nessa época, por exemplo, a São Paulo Railway (SPR) conhecida como “Ingleza”, hoje a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, elevava seus comboios de Piaçagüera (Cubatão) a Paranapiacaba (Santo André) vencendo a Serra do Mar de 780 metros de altura utilizando-se de grossos cabos de aço movimentados em carretilhas entre os dois trilhos acoplados em reboques a vapor chamados de locobreques. A Sorocabana descartou adotar a estratégia por ser custosa e demorada. Seus dirigentes almejavam chegar os trilhos a Botucatu antes do ano de 1890.

                 A alternativa para subir a serra foi deslocar a ferrovia mais para o norte valendo-se de terrenos de altitudes mais baixas do vale do Tietê. Esse rio tão antigo escavara o seu leito ultrapassando a serra onde atualmente se encontram as divisas dos municípios de Anhembi e Santa Maria da Serra. O traçado da linha a partir de Juquiratiba, embora acrescentasse muitos quilômetros foi o escolhido em razão da encosta possuir um aclive manso.
                Assim feito: a Sorocabana chegou em 20 de junho de 1888 em Victória. Esse nome comemorava o fato de terem vencido o desnível da cuesta. Passados alguns anos o vilarejo mudou o nome para Vitoriana; é hoje o maior distrito rural do município de Botucatu.
                 Os engenheiros e o concessionário, em virtude da topografia sinuosa e da distância a percorrer por cima da serra de Victória a Botucatu, vejam só, preferiam abandonar o plano original e seguir com a ferrovia até Porto Martins e São Manuel, pois ali a Estrada Ferro Ytuana já havia construído um trecho de quarenta e um quilômetros com a precípua finalidade de transportar café, maior fonte de renda das exportações brasileiras da época. A Ytuana (mais antiga do que a Sorocabana) utilizava o trem nesse percurso e na estação do Porto Martins transferia a carga de café para barcaças que navegavam no rio Tietê e no seu afluente Piracicaba até o Porto de Ártemis (João Alfredo) onde ramal ferroviário da Ytuana em Piracicaba permitia que a mercadoria chegasse a Santos, pois aquela ferrovia conectava-se em Jundiaí com a São Paulo Railway. Divergências contratuais e territoriais obrigaram a Sorocabana cumprir a concessão da ferrovia e vir até Botucatu. Em troca, antevendo a possibilidade de bons lucros com transporte de produtos agrícolas, enquanto assentavam trilhos para Botucatu também o fizeram até a Estação Treze de Maio, da Ytuana. Assim, com apenas catorze quilômetros de trilhos interligaram as duas estradas de ferro, criando o ramal de Victória a Porto Martins, com acessos a São Manuel, por trem e a Piracicaba, por via fluvial.
               Em 1892 estas duas estradas de ferro se unem e fundam a CUSY (Companhia União Sorocabana e Ytuana). Cinco anos depois, em 1897, iniciam a construção do ramal ligando Botucatu a Bauru, passando pelo município de São Manuel utilizando trecho da linha antiga da Ytuana entre a estação de Igualdade até àquela cidade. Os produtos agrícolas - em especial, o café – já podiam ser transportados desse município utilizando o tronco da Sorocabana até o pátio da Barra Funda (hoje ali se encontra o terminal do Metrô) local de transbordo da sacaria dos vagões da Sorocabana para os da Santos Jundiaí a caminho do Porto de Santos. Trabalho pesado e necessário, pois as bitolas de ambas eram diferentes,  impossível utilizar-se de tráfego mútuo (uma ferrovia usa a malha de outra). Em 1905 rompe-se a união e a Ytuana é incorporada pela E.F.Sorocabana que se torna a mais importante e a mais longa ferrovia paulista. Além do tronco tem ramais estratégicos para Bauru, Piracicaba, Campinas, Jundiaí, Itu, Indaiatuba e Itapetininga.
                A Sorocabana a partir de 1938 pôde finalmente chegar ao Porto de Santos após concluir a mais espetacular obra de engenharia ferroviária do país, descendo a encosta da Serra do Mar em rampas de níveis seguros com dezenas de túneis e viadutos. De Samaritá, na baixada litorânea, ao cais do porto, a famosa Sorocabana trafegava em meio de bairros e dos centros das cidades de São Vicente e Santos. O inconveniente causado pela travessia de cargueiros – muitos – diariamente – desapareceu quando o leito ferroviário foi deslocado para junto das encostas dos morros que circundam essas cidades. Com isso desativaram a gare de Santos, uma das estações mais bonitas do país, localizada em plena Cinelândia do Bairro do Gonzaga, na Avenida Ana Costa. Perda minimizada, pois vivíamos a época que minguavam trens de passageiros para São Paulo, Campinas e para o litoral sul-paulista (Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe e Juquiá -- o chamado ramal da banana).

                A Sorocabana chegou em Botucatu em 20.04.1889, data da inauguração de estação provisória, precária. Uma segunda funcionou até 1934, ano em que foi inaugurada a atual, construída por Camargo & Mesquita, firma de dois engenheiros formados na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Eles, dez anos depois, edificaram em São Paulo o prédio do Banespa com 162 m de altura, por muitos anos o mais alto da América Latina.

               Em 1952 com novas técnicas de engenharia ferroviária foram abertos dois túneis na subida da cuesta e a linha foi retificada de Juquiratiba até Botucatu, encurtando em trinta quilômetros o trajeto. Vitoriana excluída do tronco foi rebaixada para ser simples ramal aproveitando-se dos trilhos que chegavam a Botucatu no traçado antigo. Poucos anos depois, retificou-se, também, o trecho entre Rubião Júnior e Avaré, abandonando nessas duas operações 23 estações menores, tendo a bonita gare de Porto Martins sido desativada em 1954. Pior do que essa inatividade, em 1962, ficou submersa no lago que se formou com a Represa Hidrelétrica da CESP em Barra Bonita. Exceto Vitoriana que tem singela vila urbanizada; as demais, sem a presença da ferrovia que lhes alimentava a razão de existir, desapareceram impiedosamente, inclusive a de Ezequiel Ramos, cidadezinha onde os meus pais se conheceram e se casaram. Possuía bela estação forrada de tijolinhos vermelhos a dez quilômetros antes de chegar em Avaré.
                   A maior parte dessas estações desativadas localizavam-se dentro do extenso município de Botucatu, na época o terceiro maior em área do Estado de São Paulo. De tão imenso ainda ocupa, em 2014, a décima posição mesmo reduzido em virtude de três antigos distritos se tornarem municípios: Itatinga, Pratânia e Pardinho.

                  Cidades localizadas entre 250 a 350 km a partir de São Paulo, pelo tempo de 7 a 9 horas que as locomotivas demoravam vencer essas distâncias, tornaram-se pontos de logística de apoio ferroviário. Aconteceu com Botucatu. Tornou-se uma cidade onde a ferrovia se instalou com toda infra-estrutura administrativa e de manutenção. Parada obrigatória de todos os comboios.  A ferrovia trouxe grande progresso para a cidade. Ali as composições de passageiros passavam por inspeção. Os cargueiros de combustíveis, óleos vegetais, bananas, gado, cereais, fardos de algodão, madeira, brita, café ensacado, milho a granel, sacaria de farinhas, minérios, produtos industrializados, adubos químicos, cimento, veículos, maquinários, paravam nos diversos desvios existentes em dois enormes pátios. Havia a fiscalização dos lacres dos vagões - chumbinhos em forma de tostão, trespassado com arame em cartões e nos puxadores das portas. Conferidos, substituídos e descartados transformavam-se em excelentes goleiros nos jogos de futebol de botão. Íamos aos pátios: catávamos essas pecinhas; derretíamos numa lata; derramávamos a massa quente numa caixinha de fósforo vazia; esfriado e solidificado nessa fôrma, eis um “goleiro” que nunca caía devido ao seu peso. Os pescadores faziam deles chumbadas para mergulhar os anzóis na água. Meu querido irmão, João Casemiro, muito habilidoso, construía cadinhos moldados com alicate e martelo usando latas médias de massa de tomate Elefante da Cica. Ainda sobre os jogos de botão: Zinho (apelido do meu irmão) montava traves com arame e filó. Uma miniatura perfeita das metas onde debaixo delas ficavam os goleiros de chumbo. A mim cabia fazer botões com cascas de coco esfregando-as no cimento áspero das calçadas. Esses botões necessitavam ter uma inclinação perfeita em suas bordas e serem polidos com cera de velas para deslizarem na madeira e atingirem a bolinha de tal modo que esta alcançasse o alvo nos pouquíssimos espaços vulneráveis do gol guarnecido pelo chumbão. Dos amigos de infância destaco o Antônio Carlos Borges e o Régis Rúgolo como os melhores praticantes deste esporte, brinquedo feito com as próprias mãos, desde o campo de madeira compensada e a seleção de botões: de casacos, tampas de remédio, ossos e cascas. Eis aí nossos esquadrões. Esses mimos eram negociados por troca de gibis. Em casa tínhamos pilhas. O tino para comércio do Zinho havia começado quando em minha casa chegara a primeira geladeira do bairro – marca Clímax – e ele fazia sorvetes de sucos de frutas. A novidade rendeu-lhe centenas de revistas. E que saudades desse tempo em que ler gibis era criticado por pais e professores; desobedecido por todas as crianças (algumas tinham de ler escondidas de pais severos); e, acredite, atualmente o hábito é estimulado por educadores.  

               Encomendas leves, animais de pequeno porte, cobras venenosas para o Instituto Butantã (em caixas apropriadas, fornecidas pelas prefeituras), correspondências, pacotes, seguiam nos carros bagageiros, sempre o primeiro vagão dos comboios de passageiros após o tênder das locomotivas. Chefe de Trem e Ajudantes tinham área reservada nesse carro.

                Os rodeiros dos trens chegados a Botucatu eram examinados por truqueiros que percorriam nas laterais das composições, utilizando-se de martelo como badalo nas rodas; pelo som produzido sabiam de suas condições de segurança. Havia a troca de ferroviários da tripulação. Enchiam-se os tênderes de lenha, combustível das locomotivas a vapor. Na década de 1950, durante o governo de Lucas Nogueira Garcez, chegaram as Máquinas Elétricas GE (General Electric), pois o trecho da Capital a Botucatu fôra eletrificado. As vinte e duas possantes locomotivas a vapor teuto-americanas Henschel & Sohn, série mil, de três domos areeiros (parecem umas bacias emborcadas no cocuruto das marias-fumaça), até então utilizadas em comboios de passageiros foram transferidas para tração de cargas. Surgiram também as primeiras locomotivas movidas a diesel. Umas pequenas de apenas dois truques, da mesma cor verde das elétricas, serviam para as manobras.

                 Em Botucatu, no auge do transporte por trem, passavam todos os dias em suas plataformas dezesseis comboios de passageiros. Oito rumo ao sertão, assim se escrevia na tabuleta de horários para designar o interior até o final da linha tronco ou, para o norte paranaense a partir da estação de Ourinhos ou, ainda, para Bauru em tráfego mútuo com a Estrada de Ferro Noroeste, no ramal que partia daqui mesmo de Botucatu. Outro tanto de composições dirigiam-se para a Estação Júlio Prestes, em S.Paulo. Intensa movimentação noite e dia. Quem, como eu, viveu essa época e, hoje, compara com o que restou da estação da Estrada de Ferro Sorocabana em Botucatu, custa a acreditar que ela teria este triste fim: fechada, depredada, saqueada, reduto de andantes e vândalos.

                Havia dois pátios de manobras com doze linhas cada um. O primeiro na própria esplanada da estação, abrangendo, também, o depósito, as oficinas, o viradouro e grande armazém de mercadorias. O segundo, após o pontilhão que dividia a cidade em dois núcleos urbanos. Do alto deste pátio avistava-se o estádio e o clube social da Associação Atlética Ferroviária.  Em 1950 e 1951, com renomados craques, disputou torneios de finalistas para acesso à primeira divisão. Faltou pouco para chegar à elite do futebol paulista.

               A estação de Rubião Júnior, seis quilômetros adiante, comportava pequena vila. A cidade cresceu, hoje é um bairro importante onde se localizam a Faculdade de Medicina da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) e o Hospital de Clínicas. Adhemar de Barros era o governador quando autorizou a construção de enorme prédio para sanatório e tratamento de tuberculosos, pois a vila situada a novecentos metros de altitude possuía clima apropriado para a cura da doença. A obra lerda perdeu seu significado, pois surgiram no interregno remédios modernos que excluía a necessidade do isolamento de pacientes. O prédio ficou pronto e abandonado por oito anos. Felizmente obteve-se autorização para que o prédio fosse utilizado como moderna Escola de Medicina. A Faculdade supriu, em parte, a importância que a cidade perdia com a decadência das ferrovias nos meados dos anos de 1970 a 1980. Na Rodovia que margeia Rubião estão instaladas, em “joint-venture”, duas das maiores fábricas de encarroçamento de ônibus do país: a brasileira Caio e a multinacional espanhola Irizar, conceituada pelas obras de arte das notáveis pinturas dos seus ônibus.
              A Sorocabana mantinha, junto à estação de Rubião Júnior, um enorme armazém onde se estocava café em coco, ensacado (pode durar anos sem se estragar) para regular o preço internacional do produto (espécie de “commodities”). O café, denominado de ouro-verde era a maior fonte de riqueza do país, num Brasil eminentemente agrícola. A cidade de São Manuel, vizinha no ramal de Bauru, era o maior produtor da rubiácea do país.
              Curiosidade: entre a estação de Rubião Júnior e a de Botucatu há acentuado declive que proporcionara desastres em composições descontroladas na descida e não conseguiam frear. Para evitar tragédias foi construído um desvio estratégico em rampa ascendente para dentro do bosque de eucaliptos do horto. O maquinista, nessas condições de perigo acenava e apitava ao guarda-linha de plantão instalado em cabine especial que se incumbia de acionar a alavanca de mudança do trilho principal para o desvio providencial e salvador. Sem o excesso de velocidade, o trem retornava à linha tronco.

             A Sorocabana possuía quadro de muitos funcionários em Botucatu. Jornal da cidade noticiou que a Caixa Econômica do Estado de São Paulo cadastrou 1616 servidores para receberem seus proventos em conta corrente quando a ferrovia desativou o pagamento em envelopes entregues dentro do carro-pagador estacionado na gare por dois dias. A maioria dos servidores residia na Vila dos Lavradores, mais conhecida como Bairro da Estação. Em todos os quarteirões moravam ferroviários: chefes de trem, maquinistas, agentes de estação, ajudantes, almoxarifes, telegrafistas, bilheteiros, foguistas, truqueiros, graxeiros, mecânicos, manobristas, serventes, eletricistas, lenhadores, escriturários, motoristas, jardineiros, pedreiros, servidores de manutenção de linha, socorristas, guarda-linhas, cabineiros, gerentes, entre tantas funções. Os engenheiros e o temido Superintendente Regional, o Senhor Chafic Jacob, habitavam as cinco mansões existentes na Rua Vítor Átti, aquela que em seu final, junto ao Depósito da ferrovia, continuava como a Estrada do Lageado (hoje câmpus da Faculdade de Agronomia da UNESP). Nas longas tardes fagueiras dos verões, no calçadão dessas vias, cimentadas com apuro, lisinhas, reunia os alegres jovens e miúdos. Por lá corriam bicicletas, carrinhos de rolimã, bolinhas de bétis e as bolas de capotão de couro, tão desejadas, muitas delas trocadas por álbuns preenchidos de figurinhas de futebol embrulhadas em balas. Paquera e início de namoros.

             Os dois pátios eram permanentemente iluminados com possantes holofotes. Em cada um dos pátios havia cabine envidraçada, alta, de onde funcionário comandava a mudança de linha para o trem. Serviço indispensável na execução das manobras. O cabineiro movimentava alavancas ligadas com cabos de aço deslizantes em roldanas até à intersecção de duas linhas. Num longo passado brincávamos de mocinhos e bandidos no pátio, entre vagões, meu irmão enroscou o pé no cabo de aço: caiu; fraturou a perna.
            A Estrada de Ferro possuía muitas instalações e serviços que exigiam muitos servidores. Lembramos da Escola de formação de telegrafistas situada na ladeira do Pontilhão da Rua Major Mateus. Recordamos do imóvel espaçoso defronte ao pátio, entre as mansões e as casas da vila de ferroviários, que funcionava como se fosse um hotel para pernoite do pessoal de tripulação substituída. Ah! O indispensável viradouro de sentido de direção para locomotivas atrás do depósito e das oficinas, em formato de triângulo. A Estrada do Lageado tinha um viaduto sobre as linhas do Viradouro. Enquanto ele somente servia para locomotivas marias-fumaça a mureta da ponte era baixinha e os moleques, para desespero dos maquinistas, urinavam sobre a máquina para ouvir o chiado provocado com quentura do metal. Quando esse serviço foi dotado de rede elétrica providenciou-se muros altíssimos a fim de evitar acidentes fatais caso os meninos atingissem o jato nos fios de alta voltagem.
               A oficina destinada à guarda e conserto de trens empregava grande contingente de funcionários. A E.F.S. dispunha de cozinha e lavanderia industrial para suprir os vagões restaurantes de alimentos e de roupa de cama e toalhas aos carros dormitórios. Comentava-se que garçons e cabineiros desses confortáveis vagões eram privilegiados pelas boas gorjetas que recebiam. Havia o Horto florestal de eucaliptos, o combustível das fornalhas. Em cada pátio enormes caixas d’água, sempre cheias por poços artesianos. A cooperativa de consumo, grande como um supermercado, recebia pedidos em impresso próprio. O valor da compra era debitado no holerite. A mercadoria era entregue por uma equipe de carroceiros. O excelente cantor, poeta e compositor Raul Torres, o maior ícone da música sertaneja do Brasil exerceu essa função muitos anos antes de alcançar a merecida fama. Até há pouco tempo restava como relíquia, na esquina do Largo da Sogra com a Rua Tenente João Francisco, o bebedouro metálico para os animais. Também havia caminhões de transporte de mercadorias. Alguns com carroceria dividida em hastes formando estéreo (um metro cúbico), unidade de medida que a ferrovia determinava para a venda de lenha de eucalipto cortado, numa época que ainda não existiam os fogões elétricos e os fogões a gás liquefeito de petróleo em botijões.  Sim!  Cozinhava-se a lenha nos anos cinqüenta. 
              Existia uma função curiosa – o chamador – funcionário que se dirigia no endereço do maquinista, foguista, chefe de trem, ajudante de trem, uma hora antes do início de sua jornada, avisando-os de suas escalas.  Dia e noite, 24 horas.  Durante o dia era mais fácil. Ia direto no boche mais próximo da residência do funcionário. O bairro possuía várias quadras do jogo de bochas. Minha tia Tereza contava - chamador batia às três e meia da madrugada na janela e gritava: Celeste! (Esse o nome de meu tio maquinista) Acorda seo filho de égua! (Assim mesmo, carinhosamente, eram amigos).  Ele respondia: Tô acordado, seu lazarento! Para alguns o “chamadô” (pronúncia regional) passava duas vezes para ter a certeza do despertar do colega.
                 Exceto três ferrovias, SPR, Paulista e Central, detentoras de bitola (distância entre os dois trilhos da linha férrea) de 1,60 m, as demais possuíam-na mais estreita 1,00 m. Embora a bitola métrica não proporcionasse o conforto, a rapidez e a segurança das bitolas mais largas, foram as estradas de ferro dessa categoria que mais se difundiram pelo país.
                 A Sorocabana por oferecer o tráfego mútuo a congêneres se tornou nas décadas dos anos trinta a cinqüenta a mais importante ferrovia do Brasil. Através de seus troncos e ramais ela se espalhou do sul do Estado de São Paulo para o norte paranaense conectado na Estação de Ourinhos com cidades como Maringá e Londrina. De Mairinque, através das linhas da antiga Ytuana ligou-se em Campinas com a Companhia Mogiana atendendo pelos trilhos de mesma bitolagem transporte de cidades como Ribeirão Preto, Franca, Uberaba, Uberlândia, Passos, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Varginha, Itapira, Mogi-Mirim. Por aqui chegava a Goiás e Brasília. Ainda nas antigas linhas da Ytuana alcançava Itu, Jundiaí e Piracicaba. A chegada da Sorocabana em Bauru permitiu a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil ligando Mato-Grosso e a Bolívia a São Paulo e ao Porto de Santos.

                Enquanto a Sorocabana foi empresa privada em seu início, depois autarquia do Estado de São Paulo obteve sucesso extraordinário. Permitiu às famílias estudarem seus filhos. Ferroviário tinha orgulho de pertencer aos seus quadros, era bem remunerado e havia felicidade e bem-estar. A ferrovia dispunha de plano próprio de previdência, fato que lhe proporcionava quadro de muita estabilidade funcional. Possuía dois grandes hospitais de uso exclusivo, um em São Paulo, na Lapa e outro na nossa cidade, no alto da Vila dos Lavradores, rodeado pelos cafezais de frutinhos amarelos. A intervenção do Estado com a política de privilegiar outros tipos de transportes e rapidez dos modernos ônibus causaram decadência da nossa estrada de ferro e de suas co-irmãs. A Ferrovia Paulista Sociedade Anônima (FEPASA), sucessora da “Sorobacana” foi privatizada, leiloada e vendida para empresas multinacionais por preços ínfimos, muito abaixo do valor para pagar os mais de cem anos em que ela construiu caminhos, sonhos e cidades como a nossa BOTUCATU.    
                
                                             São Paulo (SP), 05 de dezembro de 2014.

                                                            Luiz Carlos Casemiro

                 Filho do Ferroviário da Sorocabana, Mires Casemiro, Chefe de Trem.

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                          Nota – A ortografia utilizada é a anterior à reforma de 1990 por opção sentimental.        Dez14
                  


                                            

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

EDUCAÇÃO... UMA NOVA VISÃO





Darbí José Alexandre

Quando no fim do ano percebi a tristeza de um pai pela reprovação de seu filho na escola, senti a necessidade de escrever sobre a minha experiência, como educador, por mais de trinta anos. Quando o pai recebeu a notícia da reprovação de seu filho, tive a impressão que o seu mundo ia desabar.
     Para quantos pais o "mundo desabou" no final do ano? Quantas crianças e quantos jovens sentiram o chão "desaparecendo" de seus pés quando perceberam, finalmente, que estavam reprovados. De quem é a responsabilidade por esse acontecimento? Dos pais?... Delas mesmas?... Da escola?... Dos professores?... Da sociedade?... Do governo?...
     Não importa saber de quem é a culpa. O que vale, neste momento, é encontrar a solução para o problema. Muitas sabem e todos dizem que, para um país ser desenvolvido é necessário investir na educação. Concordamos com essa afirmação e acrescentamos que esse investimento não é apenas em dinheiro, mas também em postura profissional.
     As escolas são mal aparelhadas... Os professores mal remunerados... O nosso país está pobre... As nossas crianças estão mal nutridas... Ouvimos constantemente estas afirmações. Verdadeiras ou não, elas não podem interferir na formação das nossas crianças e no aperfeiçoamento dos nossos jovens.
     As nossas escolas não podem ser consideradas indústrias e nossos docentes e responsáveis pela educação, operários. Nossas crianças e nossos jovens não são produtos que devam caminhar na linha de produção e sair acabados enquanto aquele que possua algum defeito deva ser, simplesmente, retirado para não comprometer a qualidade dos outros.
     Somos seres humanos feitos à imagem e semelhança de Deus, parecidos uns com os outros, mas  com certeza, nunca iguais. Temos que ser tratados de forma diferenciada e aqueles que têm mais dificuldades devem receber mais atenção por parte de todos: pais, professores, colegas, amigos... Da sociedade enfim.
     Certa vez presenciei o trabalho incansável de uma colega professora especializada em deficientes mentais. Por mais de duas semanas ela dedicou todo o seu tempo profissional para ensinar uma daquelas crianças a vestir o seu calção. Ninguém pode imaginar a sua satisfação quando demonstrou que sabia fazê-lo sozinha, que havia aprendido.
    A dedicação, o amor, o respeito pelo trabalho que realizava trazia sempre, àquela mestra, uma realização pessoal que não pode ser comprada por nenhum dinheiro do mundo.
     Para melhorar a educação no nosso país, por onde devemos começar?
     Para ninguém se sentir melindrado, deveríamos começar todos juntos: governo, sociedade, escola, família e os próprios alunos. Não erradicamos a poliomielite? Porque não podemos erradicar o analfabetismo e implantar uma nova mentalidade educacional?
    Perguntando aos nossos jovens qual o melhor tempo do ano, com certeza nos responderiam que é o tempo de férias. O tempo de aulas, para eles é muito difícil. Com escolas mais atrativas, professores mais amigos, administradores mais responsáveis, nossos alunos sentir-se-iam mais felizes em frequentar nossas escolas. Assim o resultado seria muito melhor.
     Um pedreiro, quando está construindo um muro e coloca um tijolo que não fica bem, ele o retira, desfaz-se dele e, imediatamente, coloca outro no lugar. Um educador quando encontra um aluno com dificuldades, não pode simplesmente retirá-lo como o pedreiro faz com o tijolo e procurar outro para colocar no seu lugar.
     É um ser humano e como tal merece ser respeitado.

                                    ( do meu livro: EDUCAR... UM ATO DE AMOR )

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Lembrança de Professores...Nossa homenagem.



             Apresento a Crônica do amigo ...

================= Luiz  Carlos  Casemiro================
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                       No curso ginasial tive a sorte de encontrar respeitáveis professores, mestres para ensinar e educar alunos para a vida. Muitos deles serão inesquecíveis, tanto pela cultura, tanto pela capacidade de transmitir conhecimentos, bem como pelos exemplos de condutas éticas e morais. Por causa deles o Instituto de Educação Doutor Cardoso de Almeida, de Botucatu, conhecido simplesmente como a Escola Normal, atraía alunos de lugares distantes. Quando havia vagas para professores nos concursos de ingresso ou de remoção, estas já eram preenchidas no primeiro dia, tal a boa reputação da escola.

                      Em outra crônica que escrevi há algum tempo destaquei dois professores.  O Cid Augusto Guelli, de Matemática. Um gênio para o bem ou, para o mal. Adorado por uns, temido por muitos, respeitado por todos. O professor que mais reprovava alunos. As futuras gerações de alunos aliviaram-se do terror de levar bomba do Professor Cid Guelli quando ele se afastou do magistério público; abriu na capital paulista o primeiro curso pré-vestibulares, o Anglo Latino, no bairro da Liberdade.
                       Outro mencionado foi o professor José Pedretti Netto. Entrava na classe e encontrava os alunos em algazarras, fato corriqueiro entre uma e outra aula. Nem admoestava os discípulos a se calarem; de pé, entre a mesa e as carteiras, mansamente iniciava narrar a matéria -- era mestre de História. Despertava interesse. Se uma mosca voasse na sala de aula poder-se-ia ouvi-la zumbir.

                       A seguir, apresento outros grandes mestres.

                       Flávio Lobo era o professor de Desenho. Metódico, numa semana a aula versava sobre estudo geométrico, noutra, desenho artístico. Quem podia comprava dois cadernos especiais para os exercícios de sua matéria; isto ocorria com alunos, filhos de pais abastados. Estudantes como eu, cujos pais de parcas posses, utilizavam um só caderno, dividindo-o do início à sua metade para um assunto e, do final ao meio, para os trabalhos da outra matéria. Foi ele, morador na parte baixa da cidade, quase às margens do Córrego Lavapés, o primeiro botucatuense a possuir aparelho de televisão. Captar imagens, nessa época, somente com imensas antenas.  No quintal de sua casa estava a altaneira torre semelhante a um poço de petróleo dos filmes americanos.
                        O Sr. Flávio foi dos primeiros professores a utilizar-se de automóvel para chegar à escola. Carro brilhava de tão bem conservado.  Minha prima Ednea que se formou professora nessa mesma escola, dois anos depois de mim, contou-me este fato. Quando ela cursava a quarta série do ginásio, uma colega – naqueles dias de final de ano letivo – perguntara ao professor Flávio quem teria sido o seu melhor aluno em desenho.  Para surpresa da Ednea ele citou o meu nome, entre vários. Tempos depois, quando soube dessa informação, também eu fiquei surpreendido. E muito! O professor Flávio comedido e econômico em elogios jamais me confessara isso.  Se dito, talvez pudesse ter alterado o rumo de meus estudos posteriores, mas do que fiz – professor de Geografia - não me arrependo.

                        A professora Dinéia Ducatti veio removida de Piracicaba para Botucatu no ano em que eu cursava a terceira série ginasial. Ela adotava, sem se conhecerem, o mesmo expediente utilizado pelo professor Renato da Silva Cardoso, dono do mais conhecido cursinho de preparação para o exame de admissão ao ginásio da cidade. O preparatório ficava na rua lateral da Praça do Bosque, do outro lado do Cine Cassino. Eu e meu irmão estudamos lá.  O método: dispor mapas pendurados nas duas lousas. Essas cartas destacavam países, sendo um mapa político, com as cidades, estradas e ferrovias. Outro mapa abrangia mesma região com fenômenos de relevo, vegetação e hidrografia.  Essa professora, moça, loira, muito bonita, utilizava comprida régua desenvolvendo o estudo, comparando no espaço regional, o casamento do Homem com o meio físico da região focalizada. Ela conseguia – pelo menos para mim que sempre adorei essa Ciência – mostrar em plantas geográficas a maneira de como pessoas ocuparam determinado território e o porquê de algumas cidades, por reunirem fatores geográficos favoráveis, são mais desenvolvidas do que aquelas menos aquinhoadas de tais elementos.
                        Ela percebendo o meu interesse pela matéria nomeara-me responsável por pendurar os mapas nos quadros-negros. Desconfio que assim o fez para poupar-lhe esticar-se toda, de costas para a classe, evitando com isso ser alvo dos olhares gulosos de um bando de adolescentes. Eu recebia advertências dos meus colegas, tipo assim: “Se manca cara! Vê se falta amanhã da aula de Geografia. Tá”!

                       O professor João de Queiróz Marques lecionou longos anos, em toda sua carreira de magistério, na nossa Escola Normal. A matéria conhecida como Ciências Físicas e Biológicas abrangia vasto campo do conhecimento humano.  Ele era craque em todas essas áreas. Ele dispunha de ampla sala no anfiteatro da escola, bem como de laboratório na parte baixa do prédio. Para auxiliá-lo havia um bedel, o Senhor Chico, a quem se incumbia de preparar e recolher os materiais de diversas experiências.
                        Perto de uma das portas do salão ficava exposto para estudos, pendurado pelo crânio, um esqueleto humano (de verdade!) batizado pelos alunos de Serafim, nome que lhe caía como uma luva. Recentemente li um artigo de jornal de Botucatu relacionando pessoas famosas sepultadas no Cemitério Portal das Cruzes (meus pais, não tão conhecidos, descansam lá) e não me contive em rir por causa da inusitada informação de que o Serafim, por vontade expressada ainda em vida pelo Seo Queiróz, finalmente repousa em paz no mesmo jazigo onde o professor foi inumado. Enterrados juntos. Merecido desfecho para quem serviu de modelo de ossos para estudantes que depois se formaram em medicina...  Alguns, até ortopedistas.

                         Como a escola mantinha quadro de ótimos professores, o assunto não se esgota aqui. Em breve descreverei recordações que guardo de tantos mestres. Cito por exemplo: dona Durvalina; dona Jair (isso mesmo, é mulher); Prof. Paulinho; Maestro Aécio; Prof. Barbosa; Padre Pisani; Prof. José Sartori; Prof. Gadelha; “Seo” Pacheco; a Margarida; o Fernão; o Godinho e, até, do Curso Primário lembro-me da conceituada Dona Zuleika Pavão, que depois de aposentada a sua diversão era debruçar-se por horas na janela de sua casa, situada entre o Escritório e a Escola de Formação de Telegrafistas da E.F.Sorocabana, controlando a passagem de pessoas pela Rua Major Mateus.
                         Dessa janela, rente à calçada, na única via de ligação do Bairro da Estação ao Centro de Botucatu, ela observava todas as pessoas que se deslocavam a pé. Saía até alguma prosa rápida com as mais chegadas. As identidades das poucas pessoas que utilizavam o velho ônibus da Viação Trevisani (linha Vila dos Lavradores x Lavapés) ela saberia mais tarde quando o coletivo retornasse ao Bairro. Na ida descia rápido a ladeira muito íngreme nesse quarteirão de sua casa onde na parte baixa estava o pontilhão da ferrovia e lá no alto a cooperativa de consumo dos ferroviários. Na volta o ônibus subia lentamente, gemendo na rampa e, nessa vagareza, os olhos já cansados de dona Zuleika espreitavam todos os passageiros.
                                                     Luiz  Carlos Casemiro                    
                 casenora@terra.com.br – Telefones (11) 3673.2617 e (11) 999.05.1000.
                        OBS: A ortografia utilizada é a anterior à reforma de 1990 por opção sentimental.                          
                                        São Paulo (SP), 10 de Agosto de 2014.                                            rev.