quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Lembrança de Professores...Nossa homenagem.



             Apresento a Crônica do amigo ...

================= Luiz  Carlos  Casemiro================
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                       No curso ginasial tive a sorte de encontrar respeitáveis professores, mestres para ensinar e educar alunos para a vida. Muitos deles serão inesquecíveis, tanto pela cultura, tanto pela capacidade de transmitir conhecimentos, bem como pelos exemplos de condutas éticas e morais. Por causa deles o Instituto de Educação Doutor Cardoso de Almeida, de Botucatu, conhecido simplesmente como a Escola Normal, atraía alunos de lugares distantes. Quando havia vagas para professores nos concursos de ingresso ou de remoção, estas já eram preenchidas no primeiro dia, tal a boa reputação da escola.

                      Em outra crônica que escrevi há algum tempo destaquei dois professores.  O Cid Augusto Guelli, de Matemática. Um gênio para o bem ou, para o mal. Adorado por uns, temido por muitos, respeitado por todos. O professor que mais reprovava alunos. As futuras gerações de alunos aliviaram-se do terror de levar bomba do Professor Cid Guelli quando ele se afastou do magistério público; abriu na capital paulista o primeiro curso pré-vestibulares, o Anglo Latino, no bairro da Liberdade.
                       Outro mencionado foi o professor José Pedretti Netto. Entrava na classe e encontrava os alunos em algazarras, fato corriqueiro entre uma e outra aula. Nem admoestava os discípulos a se calarem; de pé, entre a mesa e as carteiras, mansamente iniciava narrar a matéria -- era mestre de História. Despertava interesse. Se uma mosca voasse na sala de aula poder-se-ia ouvi-la zumbir.

                       A seguir, apresento outros grandes mestres.

                       Flávio Lobo era o professor de Desenho. Metódico, numa semana a aula versava sobre estudo geométrico, noutra, desenho artístico. Quem podia comprava dois cadernos especiais para os exercícios de sua matéria; isto ocorria com alunos, filhos de pais abastados. Estudantes como eu, cujos pais de parcas posses, utilizavam um só caderno, dividindo-o do início à sua metade para um assunto e, do final ao meio, para os trabalhos da outra matéria. Foi ele, morador na parte baixa da cidade, quase às margens do Córrego Lavapés, o primeiro botucatuense a possuir aparelho de televisão. Captar imagens, nessa época, somente com imensas antenas.  No quintal de sua casa estava a altaneira torre semelhante a um poço de petróleo dos filmes americanos.
                        O Sr. Flávio foi dos primeiros professores a utilizar-se de automóvel para chegar à escola. Carro brilhava de tão bem conservado.  Minha prima Ednea que se formou professora nessa mesma escola, dois anos depois de mim, contou-me este fato. Quando ela cursava a quarta série do ginásio, uma colega – naqueles dias de final de ano letivo – perguntara ao professor Flávio quem teria sido o seu melhor aluno em desenho.  Para surpresa da Ednea ele citou o meu nome, entre vários. Tempos depois, quando soube dessa informação, também eu fiquei surpreendido. E muito! O professor Flávio comedido e econômico em elogios jamais me confessara isso.  Se dito, talvez pudesse ter alterado o rumo de meus estudos posteriores, mas do que fiz – professor de Geografia - não me arrependo.

                        A professora Dinéia Ducatti veio removida de Piracicaba para Botucatu no ano em que eu cursava a terceira série ginasial. Ela adotava, sem se conhecerem, o mesmo expediente utilizado pelo professor Renato da Silva Cardoso, dono do mais conhecido cursinho de preparação para o exame de admissão ao ginásio da cidade. O preparatório ficava na rua lateral da Praça do Bosque, do outro lado do Cine Cassino. Eu e meu irmão estudamos lá.  O método: dispor mapas pendurados nas duas lousas. Essas cartas destacavam países, sendo um mapa político, com as cidades, estradas e ferrovias. Outro mapa abrangia mesma região com fenômenos de relevo, vegetação e hidrografia.  Essa professora, moça, loira, muito bonita, utilizava comprida régua desenvolvendo o estudo, comparando no espaço regional, o casamento do Homem com o meio físico da região focalizada. Ela conseguia – pelo menos para mim que sempre adorei essa Ciência – mostrar em plantas geográficas a maneira de como pessoas ocuparam determinado território e o porquê de algumas cidades, por reunirem fatores geográficos favoráveis, são mais desenvolvidas do que aquelas menos aquinhoadas de tais elementos.
                        Ela percebendo o meu interesse pela matéria nomeara-me responsável por pendurar os mapas nos quadros-negros. Desconfio que assim o fez para poupar-lhe esticar-se toda, de costas para a classe, evitando com isso ser alvo dos olhares gulosos de um bando de adolescentes. Eu recebia advertências dos meus colegas, tipo assim: “Se manca cara! Vê se falta amanhã da aula de Geografia. Tá”!

                       O professor João de Queiróz Marques lecionou longos anos, em toda sua carreira de magistério, na nossa Escola Normal. A matéria conhecida como Ciências Físicas e Biológicas abrangia vasto campo do conhecimento humano.  Ele era craque em todas essas áreas. Ele dispunha de ampla sala no anfiteatro da escola, bem como de laboratório na parte baixa do prédio. Para auxiliá-lo havia um bedel, o Senhor Chico, a quem se incumbia de preparar e recolher os materiais de diversas experiências.
                        Perto de uma das portas do salão ficava exposto para estudos, pendurado pelo crânio, um esqueleto humano (de verdade!) batizado pelos alunos de Serafim, nome que lhe caía como uma luva. Recentemente li um artigo de jornal de Botucatu relacionando pessoas famosas sepultadas no Cemitério Portal das Cruzes (meus pais, não tão conhecidos, descansam lá) e não me contive em rir por causa da inusitada informação de que o Serafim, por vontade expressada ainda em vida pelo Seo Queiróz, finalmente repousa em paz no mesmo jazigo onde o professor foi inumado. Enterrados juntos. Merecido desfecho para quem serviu de modelo de ossos para estudantes que depois se formaram em medicina...  Alguns, até ortopedistas.

                         Como a escola mantinha quadro de ótimos professores, o assunto não se esgota aqui. Em breve descreverei recordações que guardo de tantos mestres. Cito por exemplo: dona Durvalina; dona Jair (isso mesmo, é mulher); Prof. Paulinho; Maestro Aécio; Prof. Barbosa; Padre Pisani; Prof. José Sartori; Prof. Gadelha; “Seo” Pacheco; a Margarida; o Fernão; o Godinho e, até, do Curso Primário lembro-me da conceituada Dona Zuleika Pavão, que depois de aposentada a sua diversão era debruçar-se por horas na janela de sua casa, situada entre o Escritório e a Escola de Formação de Telegrafistas da E.F.Sorocabana, controlando a passagem de pessoas pela Rua Major Mateus.
                         Dessa janela, rente à calçada, na única via de ligação do Bairro da Estação ao Centro de Botucatu, ela observava todas as pessoas que se deslocavam a pé. Saía até alguma prosa rápida com as mais chegadas. As identidades das poucas pessoas que utilizavam o velho ônibus da Viação Trevisani (linha Vila dos Lavradores x Lavapés) ela saberia mais tarde quando o coletivo retornasse ao Bairro. Na ida descia rápido a ladeira muito íngreme nesse quarteirão de sua casa onde na parte baixa estava o pontilhão da ferrovia e lá no alto a cooperativa de consumo dos ferroviários. Na volta o ônibus subia lentamente, gemendo na rampa e, nessa vagareza, os olhos já cansados de dona Zuleika espreitavam todos os passageiros.
                                                     Luiz  Carlos Casemiro                    
                 casenora@terra.com.br – Telefones (11) 3673.2617 e (11) 999.05.1000.
                        OBS: A ortografia utilizada é a anterior à reforma de 1990 por opção sentimental.                          
                                        São Paulo (SP), 10 de Agosto de 2014.                                            rev.