sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A Caminhada de um Professor





                                         CRÔNICA  DE  LUIZ  CARLOS  CASEMIRO


 Em 1959 terminei o ginasial e decidiria em poucos dias a escolha do curso de segundo grau para prosseguir em meus estudos.  O Instituto de Educação Cardoso de Almeida, de Botucatu, no interior do Estado de São Paulo, oferecia três opções: Científico, Clássico e Normal.  Escolhi este último pela vocação de professor, com a vantagem de ser o mais rápido para iniciar carreira profissional. Os outros dois estavam voltados à preparação para a Universidade. A cidade não dispunha de nenhuma faculdade.
                Para fazer o Curso Normal, em razão do excesso de candidatos para as quarenta vagas, era necessário enfrentar no início de fevereiro exame vestibular com provas escritas de Português, Matemática, História e Geografia. Havia muitos interessados, mesmo porque, estudantes de outras cidades concorriam às vagas.
                Receoso com as dificuldades que teria com as provas, principalmente na matéria da Língua Pátria, frequentei as aulas de Português ministradas pelo Monsenhor Melhado; bom e altruísta, nada cobrava pelo cursinho. Expunha seus conhecimentos em  sala do SENAC, ao lado da Escola de Datilografia, próximas de tal modo que o “martelar” dos aprendizes nos teclados das máquinas de escrever soava no recinto, confundindo a leitura de textos. Os tlec-tlec-tlec-tlecs, multiplicados, posso senti-los até hoje, e tenho saudades. Em contrapartida desse inconveniente tínhamos ampla visão do jardim, um primor, pois o imóvel estava localizado entre a sede do Jornal Monitor Diocesano – Botucatu já tinha bispo há muitos anos -  e a Santa Casa de Misericórdia, numa praça muito arborizada. Algum tempo depois o mestre religioso tornou-se bispo de Sorocaba. Ele era amigo, ... amigo de visitar os meus avós por ter o seu pai, espanhol, nascido na mesma região da família de minha avó. Ela coincidentemente tinha tio cura (padre) em Salamanca.

                Feito os exames com provas dessas matérias, sobrevinha-me a expectativa e a apreensão, pois se reprovado não teria a chance de inscrever-me nos outros dois cursos. 
                Na semana seguinte saiu a lista dos aprovados com a divulgação das notas obtidas pelos candidatos. Estava afixada no quadro instalado no Saguão Monumental da Escola Normal.
                Subi as escadarias. Atravessei o portal. Ansioso, nervoso, instalei-me atrás de outras pessoas que conferiam os resultados e, com muito esforço, afobado fui tentando encontrar o meu nome.
                Pairava dúvida em meu pensamento: Teria ...(eu)... sido aprovado?
                Letrinhas e números dançavam nos meus olhos quando conseguia espionar poucas partes da lista entre os vãos das cabeças das pessoas que se encontravam à minha frente.
                Humilde! Procurei meu nome ali pelo meio do documento. Não o encontrei. Com muita dificuldade ao lado daquelas pessoas que eu nem conhecia, pude por um instante enxergar a parte inferior da lista. Nada! Nem nos dez nomes de excedentes que poderiam ser convocados caso houvesse desistências.
                De repente, no momento em que o bolo de pessoas se dissipou, abrindo espaço para que eu acessasse a listagem, meu coração deu um pulo e disparou: Vi o meu nome ... Fôra aprovado em segundo lugar.
                 Puxa vida! Que surpresa!
                
                
                Que emoção! Ainda mais por que interessados em conferir a lista que chegavam ao local podiam ouvir-me da minha conquista. Ali, uma pessoa disse algo que me deixou ainda mais feliz: - “Olhe? Quem passou em primeiro lugar é uma menina que terminou o Científico e decidiu também fazer agora o Curso Normal.” Essa informação deixou-me mais satisfeito.  Essa candidata acabou desistindo do curso antes de seu início.

                 Como explicar essa distinção?
                 Retrocedendo ao meu passado escolar.
                 Eu não fora um estudante brilhante até o término da terceira série do ginásio. Chegava aos exames finais, com provas escritas e orais, sempre precisando um “caminhão” de pontos para fechar o ano. A partir da quarta série algo aconteceu comigo, tal qual a brusca mudança que o Padre Vieira (*) conta que lhe ocorrera (tornou-se muito inteligente após um forte estalo na cabeça, quando a bateu em uma pedra). No meu caso, sem a cabeçada. Mais amadurecido, seguindo os conselhos de minha mãe (crie juízo, meu filho! Estude.),  passei a compreender os assuntos tratados em aulas.
                Por exemplo: Em Matemática passei anos sem entender o porquê do resultado do Máximo Divisor Comum sempre é um numero baixo (não era o Máximo?) e o Mínimo Múltiplo Comum dá como resultado um número de valor elevado (não era o Mínimo?).  Pudera! Aprendi com o professor Cid Augusto Guelli, matemático de talento reconhecido mundialmente. Lembro-me dele com o seu grosso bigode amarelado de nicotina e os dois bolsos do avental repletos de gizes coloridos. Afastou do magistério público e fundou, com outros renomados professores,  o tão lembrado primeiro Curso Pré-Vestibulares de São Paulo, o Anglo Latino, na Rua Tamandaré, no Bairro da Liberdade.
                 Nessa quarta série,  além do  Cid Guelli, outros professores contribuíram para essa minha transformação. Cito, como exemplos: José Pedretti Netto, de História; João de Queiroz Marques, de Ciências; Flávio Lobo, de Desenho; Dinéia Ducatti, de Geografia; dona Jair Conti, de História da Civilização; Durvalina da Silva Menocchi, de Biologia; José Sartori, de Trabalhos Manuais; entre outros.

                   Flutuando de felicidade, nem acreditando no sucesso, retornei ao lar.
                  Dei a notícia à minha mãe.  De seus olhos, emocionada, desceram lágrimas.
                  Ela de imediato dirigiu-se à vizinha, dona Matilde Badelucci, relatando agradecida a minha façanha, pois foi essa mulher inteligente a responsável por incentivar a “essa gente simples daqui do lado, a essa viúva moça” para que seus dois meninos estudassem. Ela sempre comentava que o futuro na Sorocabana, quase sempre o destino da gente do Bairro da Estação, onde vivíamos, poderia ser muito bom (o marido dela, Sr. Antonio Badelucci e meu pai, Mires Casemiro, foram funcionários da Estrada-de-Ferro),  mas com o estudo o porvir seria ainda melhor.
                    Ela tinha razão.  

                                         Luiz Carlos Casemiro – o Casê


                                               São Paulo (SP), 15 de setembro de 2012.
                                               Por ocasião do Jubileu de Ouro dos Professores Formados na   
                                               Escola Normal de Botucatu, em 1962
                            Instituto de Educação  Dr. Cardoso de Almeida                                                                                                        
            
(*) – Padre Antonio Vieira – 1608 a 1697 – Jesuíta português viveu no Brasil a maior parte de sua existência, principalmente na Bahia. Escritor, poeta, missionário, político, grande orador.  Combateu a escravatura de negros e de índios. Deixou registrado mais de 200 primorosos sermões, além de cartas e obras literárias.

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